O espanhol no Paraguai e a Glotocronologia

19/abril/2009

Pessoal,

Uma postagem rápida sobre o espanhol do Paraguai (ligando a realidade lingüística do Paraguai com a hipótese Glotocronológica do Morris Swadesh):

A população paraguaia tem a seguinte origem étnica: 95% da população é mestiça (índios guaranis e espanhóis), 3% é indígena e 2% é descendente de espanhóis.[1]

A realidade lingüística que essa ascendência étnica gera é interessante: O espanhol é tido como língua de prestígio e ensinado nas escolas. O Guarani é falado por grande parte da população, principalmente em casa. Numa relação lingüística como essa, o usual é que a língua do povo conquistador tome o lugar da língua do conquistado. É o que aconteceu, por exemplo, no Brasil, onde “Estima-se […] que desde a chegada dos portugueses houve a perda de 1.000 línguas, o que representa 85% das línguas existentes no território brasileiro no século XVI.”[2]. No Paraguai, entretanto, o Guarani possui alguma força e atualmente é matéria obrigatória nas escolas (Isso de ser matéria obrigatória é recente, veio com a última constituição do Paraguai, não tenho a data da constituição aqui, quando eu tiver um tempo eu pesquiso e coloco!)

Para Swadesh, que propôs o método Glotocronológico[3], alguns itens lexicais fazem parte de um “core vocabulary”, algo como o âmago da língua, e não são emprestados de uma língua pra outra. Swadesh usa este “core vocabulary” (uma lista de 207 itens lexicais) para calcular a distância genética entre duas línguas aparentadas geneticamente, já que as semelhanças entre as palavras, para ele, não podem ser originárias de empréstimos lingüísticos.

De acordo com Swadesh, todos os “pronomes pessoais” (eu, tu, ele, nós, vós, eles) fazem parte deste “âmago da língua” e nenhum falante, em nenhuma ocasião, utiliza o pronome de outra língua emprestado. Utilizando exemplos:

Podemos emprestar palavras novas, como “scanner” e dizer: 1. Ele quebrou meu scanner!

Mas nunca podemos dizer algo como: 2. *He quebrou minha fotocopiadora.

Pra mim está tudo bem! Para o Swadesh está tudo bem também, afinal, essa é a realidade da minha língua e do inglês. Mas há alguns contra-exemplo bastante interessantes, como o do Paraguai, que permite usar o pronome guarani e o restante da frase em espanhol. Ontem mesmo uma colega paraguaia conectou o MSN com a seguinte frase:

nde

O “nde” é o pronome de segunda pessoa do singular do guarani, e substitui o “usted” (formal), o “tu” (informal) e o “vos” coloquial do espanhol.

(A tradução da frase é: Você, me traz algo de lá!”)

Outro exemplo de incorporação (neste caso, plena) de pronomes pessoais de outra língua ocorreu com o Pirahã (famoso em guerras travadas na lingüística por conta das publicações de Everett apontando possíveis erros na Gramática Universal de Chomsky[4]). O Pirahã (família Mura), que não faz parte do tronco Tupi, utiliza todos os pronomes pessoais do Tupi.

Não é que eu não concorde que alguns itens lexicais são mais facilmente importados do que outros, mas é necessário ter em mente que qualquer definição do tipo “este grupo de palavras é a-cultural e menos propenso ao empréstimo” tem  tudo pra dar errado. A questão é que, no caso do Espanhol Paraguaio, ninguém nunca vai dizer que é geneticamente aparentado do Guarani e do Tupi, pois sabemos que foi um empréstimo relativamente recente. O nosso problema é utilizar essa técnica de comparação (e algumas outras) buscando comparar línguas indígenas ágrafas, e concluir que elas são mais próximas ou mais distantes do que realmente são, por um erro de conduta metodológica.

Amanhã eu posto uma comparação entre três línguas Tupis, utilizando a hipótese de Swadesh, para demonstrar algumas outras críticas à teoria dele.


[1] Os dados são daqui: http://www.portalbrasil.net/americas_paraguai.htm

[2] Lucy Seki,”A lingüística indígena no Brasil” in: Delta Vol. XVI, disponível aqui: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501999000300011&lng=en&nrm=iso

[3] Mais sobre a Glotocronologia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Glotocronologia

[4] Sobre a Língua Pirahã: http://en.wikipedia.org/wiki/Pirah%C3%A3_language